O que Portugal tem feito de bem: mais de 95% das crianças receberam todas as vacinas recomendadas, com a vacinação contra o sarampo a apresentar das mais elevadas taxas no mundo, atingindo 99%. A campanha de vacinação contra a COVID-19 foi motivo de orgulho nacional em 2021, e um relatório de 2022 da Comissão Europeia mostrou que os portugueses são os europeus mais favoráveis à vacinação na região.
- As taxas de vacinação em Portugal estão entre as mais elevadas da Europa.
- As taxas de vacinação contra a gripe estão próximas da meta de 75% e a implementação da vacinação contra a COVID-19 foi um sucesso.
- A consciência sobre a importância da vacina contra o herpes zoster e contra o pneumococo é baixa.
- Os especialistas continuam preocupados com a desinformação, especialmente a informação em linha.
- Uma nova iniciativa, +Longevidade, visa aumentar a adesão às vacinas em todas as idades e ao longo da vida, focando-se no envelhecimento saudável.
“Os cidadãos portugueses acreditam realmente nos benefícios da vacinação e adotam uma abordagem proativa em relação à vacinação”, afirma Diana Costa. “Temos uma cultura de vacinação.”
Diana Costa fez parte da coordenação da campanha de vacinação contra a COVID-19 em Portugal e coordenou o núcleo nacional de vacinação durante dois anos. Refere que a tendência da população, dos profissionais de saúde e dos decisores políticos é ir além das metas definidas e alcançar o mais alto nível de cobertura. “Por exemplo, na vacinação contra a COVID-19, atingiu-se os 99% nos adultos com a primeira dose e 95% nas pessoas com mais de 60 anos.”
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O acentuado declínio nas hospitalizações, nas admissões em unidades de cuidados intensivos e na mortalidade – e o elevado alerta da população sobre estes resultados – reforçaram o conceito de que a vacinação compensa. Este sucesso foi também impulsionado pela estreita colaboração entre particulares e as instituições em todo o processo de vacinação, acrescenta Diana Costa.
“A Direção-Geral da Saúde foi apoiada pelo Grupo Técnico Consultivo Nacional para a COVID-19 [COVID-19 NITAG], que assegurou uma elevada qualidade e segurança na vacinação, através da aplicação de estratégias e recomendações baseadas em evidência em rápida mudança”, explica. Outros fatores-chave incluíram: campanhas públicas apelando à vacinação, efetivos centros de vacinação em massa, sistemas de agendamento de consultas, um registo de vacinas centralizado e uma aplicação chamada Vacinas.
“Mas, na minha opinião, o sucesso da campanha de vacinação contra a COVID-19 é o resultado de um legado, que ficou por vários anos, do Programa Nacional de Vacinação”, diz Diana Costa.
Embora a maioria das vacinas seja bem aceite, algumas vacinas para adultos são menos conhecidas. A toma da vacina contra o herpes zoster e contra o pneumococo em idosos é, geralmente, inferior às taxas de vacinação exemplares e consistentemente observadas no programa infantil. A população continua a ver a vacinação como parte dos cuidados de saúde infantil.
Diana Costa referiu que a educação e as campanhas de saúde pública são cruciais para mudar esta perceção e enfatizar “a necessidade de vacinação ao longo da vida, para prevenir doenças e manter uma boa saúde pela vida fora”.
“Acredito que enfrentamos vários desafios com a vacinação nos adultos: alguns adultos de mais idade podem ter ideias erradas acerca da vacinação, levando-os a subestimar a sua importância, enquanto outros podem ter preocupações sobre a segurança, a eficácia ou os efeitos secundários das vacinas”, explica.
“As pessoas mais idosas, especialmente aquelas com mobilidade reduzida, como os utilizadores de cadeiras de rodas ou aquelas que têm dificuldade em caminhar, enfrentam desafios [práticos] adicionais. Alguns idosos não têm transporte pessoal ou têm dificuldades em usar o transporte público. Muitos idosos vivem em áreas rurais ou em locais com acesso limitado aos centros de saúde.”
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Para a Campanha de Vacinação Sazonal 2023-2024, que decorreu entre setembro e abril, a mobilização nacional dos farmacêuticos desempenhou um papel fundamental no acesso à vacinação. Portugal tem uma longa história sendo um dos primeiros países a adotar a vacinação em farmácias, com 95% dos portugueses a apoiar a vacinação contra a gripe e a COVID-19 em farmácias locais. No último Inverno, um número recorde de 2.491 farmácias participou na campanha de vacinação contra a gripe/COVID, tendo sido administradas 2,5 milhões de doses de vacinas contra a gripe em seis meses.
Utilização dos Dados: Um Catalisador para a ação
À medida que o foco da saúde preventiva se alarga para incluir o envelhecimento saudável, Portugal pretende aproveitar os elevados níveis de confiança da população, a boa infraestrutura de vacinação e as lições das mais recentes campanhas.
Filipe Froes, Pneumologista e especialista em Medicina Intensiva no Hospital Pulido Valente, em Lisboa, afirma que o acesso conveniente às vacinas gratuitas e o envolvimento proativo com a população são vitais para que as pessoas de todas as idades recebam as vacinas recomendadas.
“As vacinas contra a gripe são recomendadas; não é necessário marcar uma consulta ou ter uma receita médica, basta ir a uma farmácia”, observa. “Temos fortes campanhas de comunicação para aconselhar as pessoas sobre as vantagens das vacinas e para responder a quaisquer questões que possam ter.”
O exemplo das campanhas de vacinação contra a gripe mostra o que pode ser alcançado através do envolvimento de várias organizações de saúde e defensores da vacinação. Seis sociedades científicas, incluindo especialistas em pneumologia, diabetologia, cardiologia, gerontologia, medicina interna e doenças infeciosas, desenvolveram um documento de posição sobre o impacto da prevenção da gripe. O documento pioneiro, para o qual Filipe Froes é o principal autor, revê a evidência sobre o impacto da gripe, a segurança e a efectividade das vacinas contra esta doença, e faz fortes recomendações para a vacinação.
Alcançar o mesmo sucesso com as vacinas contra o pneumococo, o herpes zoster e o VSR em adultos levará tempo e requer geração de evidência robusta. A tomada de consciência sobre o impacto e o peso das doenças, bem como o conhecimento de algumas vacinas para adultos, são baixos. “Para a vacina contra o herpes zoster, há evidência suficiente, na minha opinião, para a sua inclusão no Programa Nacional de Vacinação, mas precisamos de mais dados para convencer os decisores.”
Filipe Froes está a coordenar alguns estudos sobre o peso das doenças infeciosas em Portugal, incluindo uma investigação sobre as admissões hospitalares relacionadas com pneumonia adquirida na comunidade. Os resultados preliminares mostram que, após a introdução da vacina pneumocócica gratuita para todas as crianças nascidas após 2015, houve uma diminuição na incidência de hospitalizações e uma diminuição na mortalidade. “É muito fácil de ver”, diz Filipe Froes. “Vamos apresentar estes dados às autoridades para reforçar a importância da vacinação em crianças, e ir mais além, e aumentar a vacinação.”
Em 2012, o Ministério da Saúde em Portugal, após rever o peso da doença e a relação custo-efetividade da vacina, decidiu tornar a vacinação gratuita para todas as pessoas com mais de 65 anos. “As coisas não acontecem por acaso. Estamos agora a beneficiar do que fizemos há dez anos”, afirma. “As taxas de vacinação aumentaram desde então, mas os resultados não surgem imediatamente. É necessário planeamento e organização.”
Filipe Froes, que foi consultor da Direção-Geral da Saúde e de um grupo técnico consultivo que orienta sobre as decisões sobre vacinação, afirma que os profissionais de saúde devem dar o exemplo ao tomarem as suas próprias vacinas e ao partilharem essa informação com os doentes. “Ao vacinarmo-nos, protegemo-nos a nós próprios, damos o exemplo e evitamos transmitir vírus aos nossos doentes mais frágeis e às nossas famílias.”
Viver bem por mais tempo
Uma nova iniciativa multissectorial conhecida como +Longevidade foi lançada para apoiar o envelhecimento saudável. A vacinação é uma parte central de viver mais e com saúde.
O projeto visa desenvolver evidência local sobre o peso das doenças e o impacto da vacinação em adultos, aumentar o conhecimento e a literacia em saúde, e apoiar o planeamento e a definição de políticas. Uma série de reuniões foi realizada em abril e maio, antes de se avançar para uma campanha voltada para a população.
Filipe Froes, embaixador do +Longevidade, afirma que a passagem da vacinação infantil para a imunização ao longo da vida é vital no contexto de sociedades em envelhecimento. “Este é um problema que existe em Portugal e em outros lugares”, observa. “Estamos a trabalhar juntos para mudar este paradigma e aumentar o conhecimento, para que o valor da prevenção seja melhor compreendido pela população e pelos políticos.”
Entretanto, Portugal mantém-se vigilante contra o aumento dos casos de sarampo e tosse convulsa na Europa. Em janeiro, as autoridades relataram um caso importado de sarampo num bebé que foi hospitalizado em Lisboa. Uma chamada de atenção, em tempo oportuno, para não baixar a guarda, mesmo num país com forte proteção comunitária contra a maioria das doenças evitáveis por vacinação.
Desinformação: uma ameaça à saúde pública
O envolvimento da população continua a ser um desafio crescente, nota. “Desde a COVID, temos de perceber que enfrentamos uma nova ameaça – a desinformação. Este é um dos maiores desafios dos nossos tempos”, afirma Filipe Froes. “Não estou a falar de informações imprecisas ou de mal-entendidos; a desinformação é informação falsa omitindo os seus objectivos. É mentir com interesses ocultos.”
Defende uma abordagem em quatro partes para enfrentar o problema:
- Educação da população sobre os perigos da desinformação e como os identificar;
- Comunicação proativa de informações precisas;
- Esforços pacientes e persistentes para ajudar as pessoas a distinguir a verdade da desinformação, através do pensamento crítico e da verificação das suas fontes;
- Responsabilização dos agentes da desinformação através de medidas legais e regulamentares, se necessário.